Calandra:
bom humor sem preconceitos,
da MPB até Djs e música eletrônica.
Texto- Anderson França
Mesmo com a agenda
cheia e apertada, o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e
presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Henrique Nelson
Calandra, deu um jeitinho e não se negou a receber a nossa equipe, para uma conversa bem
descontraída, extremamente animada e até
reveladora.
O encontro, no gabinete
de trabalho, no 30º andar do antigo Hotel Hilton, na Avenida Ipiranga, centro
de São Paulo, rendeu histórias que transcendem o dia-a-dia do profissional de
Direito, entre elas até uma nova paixão musical. Dizendo estar de bem com a
vida, além da MPB e do gênero sertanejo, Calandra, brincou: não escondeu
interesse repentino, que se desenvolve agora pelo som que vem das raves”, com Djs, artistas
plásticos, visuais e performáticos apresentando seus trabalhos. Rave é um tipo de festa que acontece em sítios (longe dos
centros urbanos) ou galpões, com música
eletrônica. É um evento de longa
duração, normalmente acima de 12 horas.
Justiça no Hotel
O famoso hotel cinco
estrelas - inaugurado no início dos anos 70, encerrou as atividades em 2004. Hoje, os quartos luxuosos se
transformaram em gabinetes de trabalho para desembargadores e juízes do Tribunal de Justiça do
Estado. Foi em uma ex-suíte presidencial, agora gabinete de trabalho, que o
desembargador conversou com a nossa reportagem.
Os índios dançaram e
cantaram durante 11 dias antes de eu nascer”
Ao som
dos tambores
Natural de
Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, falou com emoção sobre a data de seu
nascimento. A família morava em uma região indígena, Monte Belo. Dias antes de
nascer, em julho de 1945, em homenagem ao surgimento de mais uma vida na
aldeia, os índios realizaram rituais, envolvendo danças e oferendas durante 11
dias seguidos: “eles estavam me esperando chegar”.
O tempo passou e
Calandra hoje é referência nacional no campo do Direito. Não é por acaso que a
responsabilidade faz parte do seu perfil. Nelson Calandra começou a trabalhar
cedo. Com 12 anos já ajudava o pai em um posto de gasolina, na região
metropolitana. Hoje com 66 anos ainda não foge da responsabilidade, com agenda
repleta, não lhe sobra muito tempo para o lazer. Mas, nos raros momentos de
folga, revela, o que mais gosta é ficar com a família, ouvir música sertaneja e
sair para saborear um “bom prato de bacalhau”, no restaurante português de um
antigo amigo.
De jeito simples, o
desembargador não perde o bom humor. Para Poderes em Revista faz até uma
revelação pessoal, inusitada no universo do seu quotidiano: “acreditem
meninos... já fui até em uma festa de música eletrônica (rave) para prestigiar
um DJ de quem sempre fui muito fã, meu filho”. Na sequência, vamos conhecer um
pouco mais da história do profissional dedicado, otimista por excelência,
pacifista, homem de família e homem de bem,
Henrique Nelson Calandra.
Por que o senhor
começou a trabalhar tão cedo?
Nelson Calandra- A minha família era numerosa. Eu era a base
de todo o sustento, dava o dinheiro para a feira e até arcava com os estudos e
despesas das minhas irmãs. Comecei a trabalhar em uma metalúrgica, enfrentando
dificuldades de toda a natureza. Esses desafios serviram para os avanços da
minha vida pessoal. Foram verdadeiros estímulos. Acabei tendo uma casa para
morar, um automóvel para andar, uma família para cuidar. Fortalecido, me tornei
advogado e depois magistrado.
O senhor considera que a
experiência de vida lhe tornou um homem bom. Mais preparado para enfrentar
desafios?
NELSON
CALANDRA – Um dia eu sonhei com o meu pai. Ele já tinha falecido há
muito tempo. Mas no sonho, ele me falava da prática da bondade. Ressaltava os
percalços, ao tentar interagir com a humanidade tão complicada, querendo a cada
minuto aprender mais uma dose de humildade. Este fato, sonhar com meu pai, me
marcou, serviu como lição e é por isso que creio que só pelo caminho da
humildade, da conciliação e da paz é que ainda podemos alcançar resultados
positivos.
O senhor se elegeu presidente
da AMB com mais de quatrocentos votos à frente do segundo colocado, a que
atribui o sucesso da eleição?
NELSON
CALADRA – A minha personalidade ajudou muito a agregar pessoas.
Quando ingressei em meu mandato como presidente da APAMAGIS (Associação
Paulista de Magistrados) ela possuia dois mil associados. Quando sai, a deixei
com três mil e cem associados. Na presidência da APAMAGIS recebi 98% de aprovação. Considero esse
mérito coletivo, de toda uma equipe que me cercava e de tantos outros que me
ajudaram nessa caminhada, inclusive, os servidores. Na verdade, construímos um
bom conceito com reflexos em nível nacional. Lembro também da campanha antes de
assumir a AMB. Foi cansativa se estendendo pelo território nacional. Só no
Estado de Pernambuco- em dois dias- rodamos mais de mil e quinhentos
quilômetros.
Houve algum fato marcante ou curioso durante esse período?
Nelson
Calandra- Houve um fato curioso e marcante. Quando fui ao interior
de Pernambuco, em uma comunidade chamada Altinho, encontrei um juiz solitário.
Ele me aguardava de braços abertos. Um dia aqui em São Paulo eu o recebi com
dignidade e igualdade, no meio de outros juízes. O tratei como se fosse
presidente do tribunal de Pernambuco. Não sabia quem ele era, mas coloquei meu
carro a disposição dele e fui a pé ao tribunal para fazer a minha seção de
julgamento. Eu era o presidente da Apamagis -a maior associação de juízes do
país. O abraço sincero dele foi emocionante e gratificante: mostra que quem
semeia acaba colhendo aquilo que plantou. Tudo isso é por obra e graça de Deus,
não é por mérito meu.
O senhor está sempre disposto
a ajudar o seu semelhante?
Nelson
Calandra- Estou. Agora mesmo recebi e-mail de uma colega do
Nordeste, ameaçada de morte. Ela está se sentindo insegura, estressada, mas foi
acolhida na AMB, apoiada e ajudada. E agora nos mandou um e-mail agradecendo
pela ajuda recebida. Nós não recebemos as pessoas com olhos de preconceito, nós
recebemos as pessoas com olhos de fraternidade, de acolhimento sejam elas quem for.
Fale um pouco do cidadão
Nelson Calandra, o que o senhor gosta de fazer nas horas de lazer?
NELSON
CALANDRA - (risos) “olha, há cinqüenta e quatro anos eu nunca tive
intervalo para os comerciais porque o trabalho é muito intenso no plano
associativo. No plano judiciário, é um desafio muito grande. Mas nos poucos
momentos de folga o que eu mais adoro é estar na minha casa.
Aprecia um bom vinho por
exemplo?
NELSON
CALANDRA – “Parei de fumar e com bebida alcoólica. Tenho uma vida
muito agitada e preciso cuidar mais de minha saúde. Mas, agora adoro um vinho bom, adoro um uísque,
adoro tudo isso. Mas, adoro servir uma boa
bebida aos meus colegas e amigos.
Na realidade, fico feliz e dou valor a isso,
ao estar lado da minha esposa, estar na minha casa. Tenho quatro filhos
que são da minha mulher. Criei- os desde pequenos. E são tão filhos dela quanto
meus, tenho netos também. Minha filha mora nos Estados Unidos. Tenho o problema
da distância. Mas o amor supera tudo e as dificuldades e a saudade são
vencidas.
O que o senhor gosta de ler?
Nelson
Calandra – Entre meus autores preferidos está Alvin Toffler. Ele é
um escritor e futurista norte-americano. É conhecido pela obra sobre a
revolução digital, a revolução das comunicações e a singularidade
tecnológica.Os seus últimos trabalhos têm abordado o estudo do poder crescente
do armamento militar do século 21. Ele é casado com Heide Toffler, igualmente
escritora futurista. Recomendo “A Primeira, Segunda e Terceira Onda”. Também
gosto do escritor Fuco Gómez, que foi um político independentista e socialista
galego, escritor, jornalista, acadêmico e intelectual.
E os autores brasileiros?
Nelson
Calandra- Graciliano Ramos, Machado de Assis, são autores que eu já
li muito, estudei toda a filosofia oriental.
E na mesa do restaurante, qual
o prato preferido?
Nelson
Calandra- Eu sou um Juca Pato (risos), um menino pobre que
envelheceu. Tenho 66 anos, então o meu prato preferido é arroz, feijão, batata
frita e bife. Aprecio também outro tipo de culinária, a portuguesa. Em São
Paulo recomendo um restaurante, que a gente sempre que pode vai: Alfama dos
Marinheiros, na rua Pamplona. Gosto de um peixe bem feito, também sou capaz de
fazer um grelhado em casa.
E na noite de São Paulo, o
senhor costuma ir ao teatro?
Nelson
Calandra- Eu fui ator de teatro. Eu fui até protagonista no TUCA
(Teatro da Universidade Católica) que era um teatro de vanguarda e
revolucionário...
Em que ano foi isso?
Nelson
Calandra - Foi na década de 70, no ano de 73, por aí... eu
trabalhava o dia inteiro, e estudava à noite na faculdade de direito da PUC. E
ainda participava do teatro com os colegas. Me lembro de um espetáculo que
montamos, a peça era “Testemunha de Acusação” de Aghata Cristhie. Eu era o
promotor.
Um ator?
Nelson
Calandra- Eu gostava muito do Paulo Autran, como ator e autor, era
uma pessoa muito boa, que a gente admirava, inclusive estudou direito. O Raul Cortez também é de
lá. Tem vários autores e atores que saíram da faculdade de direito do Largo São
Francisco. Ali se produzia revolucionários, juízes, promotores e
desembargadores...
E na música, de quem o senhor
gosta?
Nelson
Calandra- Gosto muito de música popular brasileira. Bossa nova, aquelas
músicas mais calminhas... Mas, aqui faço uma confidência: estou aprendendo e
tentando gostar da música moderna, porque o meu filho mais velho o Jorge ele é
DJ. A música dele é aquela música eletrônica, aquelas coisas estrambólicas...
(risos...)