quinta-feira, 29 de junho de 2017

Sempre de bem com a vida


Calandra: bom humor sem preconceitos,
 da MPB até Djs e música eletrônica.

Texto- Anderson França

Mesmo com a agenda cheia e apertada, o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Henrique Nelson Calandra, deu um jeitinho e não se negou a receber a  nossa equipe, para uma conversa bem descontraída,  extremamente animada e até reveladora.
O encontro, no gabinete de trabalho, no 30º andar do antigo Hotel Hilton, na Avenida Ipiranga, centro de São Paulo, rendeu histórias que transcendem o dia-a-dia do profissional de Direito, entre elas até uma nova paixão musical. Dizendo estar de bem com a vida, além da MPB e do gênero sertanejo, Calandra, brincou: não escondeu interesse repentino, que se desenvolve agora pelo som que vem das raves”, com Djs, artistas plásticos, visuais e performáticos apresentando seus trabalhos. Rave é um tipo de festa que acontece em sítios (longe dos centros urbanos) ou galpões, com  música eletrônica.  É um evento de longa duração, normalmente acima de 12 horas.

Justiça no Hotel

O famoso hotel cinco estrelas - inaugurado no início dos anos 70, encerrou as atividades  em 2004. Hoje, os quartos luxuosos se transformaram em gabinetes de trabalho para desembargadores e juízes do Tribunal de Justiça do Estado. Foi em uma ex-suíte presidencial, agora gabinete de trabalho, que o desembargador conversou com a nossa reportagem.


Os índios dançaram e cantaram durante 11 dias antes de eu nascer”

Ao som dos tambores

Natural de Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, falou com emoção sobre a data de seu nascimento. A família morava em uma região indígena, Monte Belo. Dias antes de nascer, em julho de 1945, em homenagem ao surgimento de mais uma vida na aldeia, os índios realizaram rituais, envolvendo danças e oferendas durante 11 dias seguidos: “eles estavam me esperando chegar”.


O tempo passou e Calandra hoje é referência nacional no campo do Direito. Não é por acaso que a responsabilidade faz parte do seu perfil. Nelson Calandra começou a trabalhar cedo. Com 12 anos já ajudava o pai em um posto de gasolina, na região metropolitana. Hoje com 66 anos ainda não foge da responsabilidade, com agenda repleta, não lhe sobra muito tempo para o lazer. Mas, nos raros momentos de folga, revela, o que mais gosta é ficar com a família, ouvir música sertaneja e sair para saborear um “bom prato de bacalhau”, no restaurante português de um antigo amigo.

De jeito simples, o desembargador não perde o bom humor. Para Poderes em Revista faz até uma revelação pessoal, inusitada no universo do seu quotidiano: “acreditem meninos... já fui até em uma festa de música eletrônica (rave) para prestigiar um DJ de quem sempre fui muito fã, meu filho”. Na sequência, vamos conhecer um pouco mais da história do profissional dedicado, otimista por excelência, pacifista, homem de família e homem de bem,  Henrique Nelson Calandra.


Por que o senhor começou a trabalhar tão cedo?

Nelson Calandra-  A minha família era numerosa. Eu era a base de todo o sustento, dava o dinheiro para a feira e até arcava com os estudos e despesas das minhas irmãs. Comecei a trabalhar em uma metalúrgica, enfrentando dificuldades de toda a natureza. Esses desafios serviram para os avanços da minha vida pessoal. Foram verdadeiros estímulos. Acabei tendo uma casa para morar, um automóvel para andar, uma família para cuidar. Fortalecido, me tornei advogado e depois magistrado.

O senhor considera que a experiência de vida lhe tornou um homem bom. Mais preparado para enfrentar desafios?
NELSON CALANDRA – Um dia eu sonhei com o meu pai. Ele já tinha falecido há muito tempo. Mas no sonho, ele me falava da prática da bondade. Ressaltava os percalços, ao tentar interagir com a humanidade tão complicada, querendo a cada minuto aprender mais uma dose de humildade. Este fato, sonhar com meu pai, me marcou, serviu como lição e é por isso que creio que só pelo caminho da humildade, da conciliação e da paz é que ainda podemos alcançar resultados positivos.
O senhor se elegeu presidente da AMB com mais de quatrocentos votos à frente do segundo colocado, a que atribui o sucesso da eleição?
NELSON CALADRA – A minha personalidade ajudou muito a agregar pessoas. Quando ingressei em meu mandato como presidente da APAMAGIS (Associação Paulista de Magistrados) ela possuia dois mil associados. Quando sai, a deixei com três mil e cem associados. Na presidência da APAMAGIS  recebi 98% de aprovação. Considero esse mérito coletivo, de toda uma equipe que me cercava e de tantos outros que me ajudaram nessa caminhada, inclusive, os servidores. Na verdade, construímos um bom conceito com reflexos em nível nacional. Lembro também da campanha antes de assumir a AMB. Foi cansativa se estendendo pelo território nacional. Só no Estado de Pernambuco- em dois dias- rodamos mais de mil e quinhentos quilômetros.
Houve algum fato marcante  ou curioso durante esse período?
Nelson Calandra- Houve um fato curioso e marcante. Quando fui ao interior de Pernambuco, em uma comunidade chamada Altinho, encontrei um juiz solitário. Ele me aguardava de braços abertos. Um dia aqui em São Paulo eu o recebi com dignidade e igualdade, no meio de outros juízes. O tratei como se fosse presidente do tribunal de Pernambuco. Não sabia quem ele era, mas coloquei meu carro a disposição dele e fui a pé ao tribunal para fazer a minha seção de julgamento. Eu era o presidente da Apamagis -a maior associação de juízes do país. O abraço sincero dele foi emocionante e gratificante: mostra que quem semeia acaba colhendo aquilo que plantou. Tudo isso é por obra e graça de Deus, não é por mérito meu.
O senhor está sempre disposto a ajudar o seu semelhante?
Nelson Calandra- Estou. Agora mesmo recebi e-mail de uma colega do Nordeste, ameaçada de morte. Ela está se sentindo insegura, estressada, mas foi acolhida na AMB, apoiada e ajudada. E agora nos mandou um e-mail agradecendo pela ajuda recebida. Nós não recebemos as pessoas com olhos de preconceito, nós recebemos as pessoas com olhos de fraternidade,  de acolhimento sejam elas quem for.
Fale um pouco do cidadão Nelson Calandra, o que o senhor gosta de fazer nas horas de lazer?

NELSON CALANDRA - (risos) “olha, há cinqüenta e quatro anos eu nunca tive intervalo para os comerciais porque o trabalho é muito intenso no plano associativo. No plano judiciário, é um desafio muito grande. Mas nos poucos momentos de folga o que eu mais adoro é estar na minha casa.
Aprecia um bom vinho por exemplo?
NELSON CALANDRA – “Parei de fumar e com bebida alcoólica. Tenho uma vida muito agitada e preciso cuidar mais de minha saúde. Mas,  agora adoro um vinho bom, adoro um uísque, adoro tudo isso. Mas, adoro servir uma boa  bebida aos  meus colegas e amigos. Na realidade, fico feliz e dou valor a isso,  ao estar lado da minha esposa, estar na minha casa. Tenho quatro filhos que são da minha mulher. Criei- os desde pequenos. E são tão filhos dela quanto meus, tenho netos também. Minha filha mora nos Estados Unidos. Tenho o problema da distância. Mas o amor supera tudo e as dificuldades e a saudade são vencidas.
O  que o senhor gosta de ler?
Nelson Calandra – Entre meus autores preferidos está Alvin Toffler. Ele é um escritor e futurista norte-americano. É conhecido pela obra sobre a revolução digital, a revolução das comunicações e a singularidade tecnológica.Os seus últimos trabalhos têm abordado o estudo do poder crescente do armamento militar do século 21. Ele é casado com Heide Toffler, igualmente escritora futurista. Recomendo “A Primeira, Segunda e Terceira Onda”. Também gosto do escritor Fuco Gómez, que foi um político independentista e socialista galego, escritor, jornalista, acadêmico e intelectual.


E os autores brasileiros?
Nelson Calandra- Graciliano Ramos, Machado de Assis, são autores que eu já li muito, estudei toda a filosofia oriental.
E na mesa do restaurante, qual o prato preferido?
Nelson Calandra- Eu sou um Juca Pato (risos), um menino pobre que envelheceu. Tenho 66 anos, então o meu prato preferido é arroz, feijão, batata frita e bife. Aprecio também outro tipo de culinária, a portuguesa. Em São Paulo recomendo um restaurante, que a gente sempre que pode vai: Alfama dos Marinheiros, na rua Pamplona. Gosto de um peixe bem feito, também sou capaz de fazer um grelhado em casa.
E na noite de São Paulo, o senhor costuma ir ao teatro?
Nelson Calandra- Eu fui ator de teatro. Eu fui até protagonista no TUCA (Teatro da Universidade Católica) que era um teatro de vanguarda e revolucionário...
Em que ano foi isso?
Nelson Calandra - Foi na década de 70, no ano de 73, por aí... eu trabalhava o dia inteiro, e estudava à noite na faculdade de direito da PUC. E ainda participava do teatro com os colegas. Me lembro de um espetáculo que montamos, a peça era “Testemunha de Acusação” de Aghata Cristhie. Eu era o promotor.
Um ator?
Nelson Calandra- Eu gostava muito do Paulo Autran, como ator e autor, era uma pessoa muito boa, que a gente admirava, inclusive  estudou direito. O Raul Cortez também é de lá. Tem vários autores e atores que saíram da faculdade de direito do Largo São Francisco. Ali se produzia revolucionários, juízes, promotores e desembargadores...
E na música, de quem o senhor gosta?
Nelson Calandra- Gosto muito de música popular brasileira. Bossa nova, aquelas músicas mais calminhas... Mas, aqui faço uma confidência: estou aprendendo e tentando gostar da música moderna, porque o meu filho mais velho o Jorge ele é DJ. A música dele é aquela música eletrônica, aquelas coisas estrambólicas... (risos...)



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